sábado, 8 de outubro de 2011

O Escolhido

.
Não dá para escolher como somos
Talvez dê quem, mas não como
Podemos até melhorar quem fomos
Mas não da maneira que queremos
Nem certamente de tudo fazemos
Para melhorar as pré-escrituras
Repletas de desgostos e torturas
Que assombra palavras que dizemos;

Porque fui eu ou outro o escolhido
É um azar que não se pode controlar
É um azar de escolhas e um pedido
Um pedido que embora não seja dito
Nem nunca sequer tenha sido escrito
Sempre viveu no inocente culpado
De certa forma um culpado enfeitiçado
Que agora vive no silêncio de um grito;

Oh, mas que desgosto mais que profundo,
Que a triste irreversibilidade aumenta
E a dor imensa, a maior deste mundo,
Quando de nós fizeram um brinquedo
E moldaram este barro demasiado cedo,
Este, da inocente criatura ainda vindoura
Varrida pelo vento, nem por uma vassoura
Que a despejou num poço, fundo de medo;

Viverá assim, sempre e para sempre
E sofrerá sempre que vivo ainda for
Esperando que essa força nele entre
Que entre nesse ser que se questiona
Porque é que o tempo que hoje pressiona
E tenciona levar-lhe todos os santos dias
O já pouco conforto dessas noites frias
Ainda uma vida normal lhe condiciona;

E depois claro, há sempre o mais dotado
Que se vangloria por demais aquilo que é
Como se muito por isso tivesse executado
E não fosse a mera sorte a responsável
Pelo seu lindo sarcófago, o mais desejável
E assim, nascido, virado e destinado à lua
Idólatra uma capacidade que não é a sua
Oh que agonia forte, tamanha inexplicável;

Mas pela infinidade dos tempos será assim
Critica-se e sabe-se que de nada nos vale,
Restar-nos-á apenas esperar pelo fim?
Não penso assim, pois a quem nos rodeia
Pertence uma mentalidade, a qual anseia,
Ser mudada, e isso, pode muito bem o ser
E quem sabe por mim ou por ti vir a ter
Um dia, a sua consideração, de paz cheia.

sábado, 16 de abril de 2011

Manhã

.
Vivo ainda, na curta manhã da vida
Enquanto o sol tenta despertar da noite
Não é, senão mais, que uma corrida
Um dia inteiro a percorrer sem erros,
Um caminho de obstáculos cheio
Em que, bem lá do fundo alheio
Sorteia quem pode ou não passar
Pelas barreiras naturais a enfrentar;

Não sei mesmo o que sequer é viver
Mas também, quem como eu pode dizer
Conhecendo só a manhã e pouco mais
Que sabe o que é a vida, sem sinais?

São as primeiras horas do dia
São os primeiros passos sozinho
Sou a criança que sem saber corria
Para um abismo malvado e traiçoeiro
Sem que alguém me deitasse a mão
E me arrancasse agora a recordação
De um obscuro precipício de cegueira
Que se aproxima dos pés pela soneira;

Um sono, uma ingenuidade genuína
Um horizonte ainda baço pela neblina
Assim é a manhã em que hoje vivo
Enquanto da vindoura tarde sou fugitivo.

Formas e Maneiras

.
Espelho, meu espelho, o que vejo em ti
É uma mistura na qual eu me perdi
Não é mais que incógnitas e incertezas
Que fazem do ser que agora reflectes
Um saco opaco repleto de tristezas;

Confesso que por vezes não me reconheço
Mas de uma coisa sei e não me esqueço
Mudo tanto que quase mudo a mudança
E isso mesmo talvez seja ou não a causa
Da diferença e da falta de confiança;

Invento-me de tal maneira estranha
Ridícula ou não, sou capaz dessa façanha,
Conjugando-me entre formas e maneiras
Perco o cerne próprio que me constitui
E moldo-me em função das minhas asneiras;

Perdoai-me a rudeza com que vos recebo
Mas não pensem que disso não me apercebo
Sou-o não porque sou mas porque escolho
Escolho simplesmente sê-lo sem razão
Um ser que não se é quando olho-a-olho;

Se é protecção ou não, não o confirmo
Nem prometo que toda a frase que afirmo
Seja a mais sincera que pudesse invocar
Do ínfimo buraco que de mim é eterno
Que de verão ou inverno, nele irei afundar.

Esperança Inútil

.
Olho-te ao longe numa distancia segura
Para que não te apercebas do quão perto
Está meu corpo e alma, de que estou certo,
Amam-te de uma maneira inteira e pura
Que não cura a ferida da transparência
Que sou, aos teus olhos sem tendência;

Sem tendência nem sequer a capacidade
De me olharem e verem mais do que eu
Verem um sentimento que apesar de meu
Não o seria antes da tua bela bondade
Tocar a fraca fragilidade do meu interior
Interior que sem ti não sabia o que era amor;

Oh, como dói saber que a proximidade
De nada me serve, quando o impossível
Absorve a já escassa realidade credível
E me deixa só e a flutuar na infinidade
De esperanças inúteis e desnecessárias
Recordações sem valor, fúteis e precárias;

Por mais que me falte a força ao ver-te
Por mais que me atrapalhe num simples olá
O que aconteceu ou foi feito, feito está
E apesar de saber que nunca vou ter-te
E querer-te ser cada vez mais sonhar
Nunca vou deixar de no amor acreditar.

Pássaros Voam

.
Partam em busca de mais sucesso, irmãos
Um sucesso que viram fugir-vos das mãos
Um sucesso que na vossa terra não vos viu
A mesma que teve o pão e não vos serviu;

Voai até ao destino que sempre vos esperou
Um destino que no ruído da esperança entoou
A voz da dor e de uma distancia mais distante
Que sem contarem apareceu-vos num instante;

Não temam, não chorem, logo será o mesmo
A planta na água cria raiz por sua natureza
Não se prendam à terra nem sequer à pobreza;

Mas há sempre quem fique a ela agarrado
Os mais velhos, porque só mortos dela saem
E os mais novos, pois de seu berço não caem.

Traição

.
Uma confiança cega, inteiramente opaca
Que nega um conhecimento perspectivo
De uma aquisição, intuitivamente viva
No intrínseco núcleo, neutro e subjectivo.
Que confiança, porquê tanta e tão focada?
É tão grande assim a crença inoculada?
Certamente nem sequer a mina merece
A água que lá nasce e por isso se esquece;

Escritas bíblias, acontecimento inevitável
Se proclamada fosse a palavra de ordem
Para que nessa linhas fossem proferidas
As traições adormecidas, oh, não acordem
Não façam renascer a dor da vil facada
No elo que unia dois opostos sem fachada
E que por isso estivesse sempre subentendido
O embuste de uma atitude sem sentido;

Lavadas são as faces agora, de lágrimas
Por não se acreditar na própria incapacidade
De ter percebido o mal em que estava metido
E a insanidade de uma traição sem piedade,
Era-se capaz de jurar que seria impossível
Alguém sendo alguém descer a esse nível,
Chora-se por não se saber o que agora se sabe
E reza-se para que a muralha não desabe;

É para muitos o pior que podia ser feito
E para outros tantos uma necessidade satisfeita
Uma maldade já entranhada na pobre miséria
De uma alma assim, irremediavelmente desfeita
Espera-se no fim, neles o arrependimento
E que se abata sobre estes seres o desalento
E o descontentamento por tão triste acção
Que alguém um dia lhe chamou de traição.

domingo, 27 de março de 2011

Esquecido

.
É como se de repente fosse esquecido por todos
E a importância, de mim, passasse ao lado
Se calhar misturado em diferentes ,ser diferente
É vulgarizar a própria diferença já carente
De um olhar mais especial, único e focado
No brilho que ela exalta bem lá do seu fundo
Desse seu frágil fraco e pequeno mundo
Perdido num universo, de variedade inchado;

Sinto-me realmente por vezes um grão na praia
Sinto-me ser a transparência de um olhar perplexo
Que ao focar vazio nenhum sentimento se impõe
Sinto-me como se do nada fosse seu reflexo
Como se de certa forma eu não tivesse forma
E nem me importasse sequer em cumprir a norma
Da opaca matéria de que é feito um ser complexo;

Agora espero sentado na frieza e rigidez da pedra
Coberto pelo conforto e sossego da escuridão
Espero pela luz que me abrirá as portas
E me livrará das imundas esperanças mortas
Que com elas me fizeram apodrecer na desilusão
E confusão de um destino trôpego e incerto
Incerto na sorte mas previsivelmente aberto
Ao desperdício da bondade de um bom coração.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Porto

.
Porto, cidade que me acolheu
Desde sempre eu fui teu
Agora aqui e em ti escrevo
Palavras que só de ti nasceram
Mas que nunca se esqueceram
Pois muitas delas a ti as devo;

Não chegam estas para dizer
O quão tenho a agradecer
Pelas paisagens gloriosas
E um quotidiano bem vivo
Que também serve de incentivo
Ás mudas vozes rancorosas;

D’ouro esse que te atravessa
Correndo ele bem depressa,
Fugindo das tuas encostas
E descobrindo os teus segredos
Escondidos entre os rochedos
Nem p’ra eles tenho respostas;

Porto que nasceste do mar
Ele ainda te faz sonhar
Belos tempos já passados
Bem repletos de mercado
Que apesar de atenuado
Lá vêm eles além salgados;

A mim não chega essa palavra
(terra dura que não lavra)
Nunca deixaste ficar morto
Este nome que me encanta
Esta cidade que me espanta
A capital que é o porto!

Será Sorte?

.
Gostava de acreditar que fosse verdade
E que tudo aquilo que me julgavam ser, realidade,
Mas não evito a propria opinião equacionar
Com as negações que só me provam o contrário
Ou até mesmo depois de todas a peças juntar
Acreditar que não há entre elas o solitário
O mísero e abandonado poder da mentira
Esquecido nos suburbios que ninguém me tira;

Não deve certamente passar de vulgar sorte
Que na espreita da ideia de que tudo eu suporto
Gruda-se no pensamento como se não tivesse medo
Fazendo-me acreditar que é na próxima que vou errar
E me vou deixar levar por um disfarçado enredo
De uma reles peça que eu não vivo para encenar
Não, porque quero-me despregar desse pensamento
Que nada mais me traz que desespero e sofrimento;

E o que me resta? Sei lá eu já o que me resta
Nesta abominavel alma que simplesmente não presta
Uma desconfiança mutua entre mim e essa cela
Em que me prendo sempre que uma prova se avizinha
E faz-me ferver a febril fantasia fria, futil e fatela
Que infelizmente por assim ser me desencaminha
E leva-me de encontro ao meu interior abismo
Não é descomunal, mas com isso eu sempre sismo.

Primavera

.
O que terá de tão especial, para nascer tudo nela
Nascem os galhos, as flores, nascem os frutos
Fazendo de cada árvore uma linda Cinderela
Mas que bela, só de a imaginar
Extrema frescura que me faz suspirar!

Oh, pássaros que já não me lembrava vosso chilreio
Voltais agora como se fosse este vosso verdadeiro lar
De onde de vós, garanto, nunca ele ficará cheio,
Venham, façam de mim uma planta
E do meu ar o vosso céu que encanta;

E se eu fosse parte de vós, ou como vós quem me dera
Ser o tronco da árvore ou mesmo a flor que germina
Oh, quem me dera que vivesse em mim esta Primavera
Pois não passo de um outono decadente
Numa época teimosa e persistente;

E esse raio de luz que não mais chega cortando o tédio
E matando a penumbra em que hoje eu me alojo,
E a lua luminosamente fraca que não passa de um assédio
Um ilusório cenário que sempre estivera
Todo este tempo submerso sem primavera.

De Conto em Conto

.
De conto em conto se prolonga
A mais simples história que ouvi
Já não é mais o que nascera
Mas no entanto aquiesci
Julgava eu inocentemente
Ser uma história de má gente;

Mas a má língua a distorceu
Passando pelas silvas do povo
Triste imagem já degradada
Fado morto apesar de novo
Nem sequer eu, pensava vir
De com isto um dia, consentir;

São vozes que a mudez não ouve
Repletas de escárnio e mal dizer
Jubilam pelo mal dos outros
De curiosidade estão a morrer
Porque não se enfiam num buraco
Ou tapam a cara com um saco!

Ai, que asco, mas que repúdio
Que exaltação medonha
Porque não ganham um bocado
Um bocadinho só de vergonha?
Pois isso vós não conheceis
E sereis sempre ao mal, fiéis.

"Eu só queria ser feliz"

.
Efémera mocidade
Que invoca uma necessidade
Intrinsecamente explosiva
E quem sabe corrosiva
Esperemos que não se prenda
Nas teias de uma guarda
Que não quero que se ofenda;

Quem sou eu para os julgar
Para sempre nos vão guardar
Continuamos filhos depois de pais
E para eles sempre iguais
É um sentimento protector
Um aperto inexplicável
Tudo não passa de amor;

E lá vai o verde e jovem ser
Seus pais de medo a tremer
De avisos se vai cheio
Com tormentos de receio
Mas tudo se envelhece
E pequenos não perduramos
(pobre mãe que não se esquece)

É quase dia quando vem
Sozinho, mas com alguém
Numa curva se adivinhava
Já o mal que se esperava,
A mãe saltando do berço
Com uma fina pontada
Cai-lhe das mãos o terço;

Uma dor sufocante
Quase que delirante
Pobre filho, pois ele sabia
Tudo o que a mãe lhe dizia
De nada lhe valeu rezar
Tanta súplica, tanta prece
E só lhe resta agora chorar;

“Desculpa por não te ouvir
Mãe que sempre vi sorrir
Custa-me tanto o Adeus
Mas ver-te-ei lá dos céus,
Perdoa-me as asneiras que fiz
Não foi por mal, acredita…
Eu só queria ser feliz!”

Foi nesse dia de inverno
A partir de agora eterno
Que entendeu aquela voz
Dos pais que deixou sós.
A mão da mãe por fim largou
E deixando fugir uma lágrima
A luz dos seus olhos se apagou…

sábado, 12 de março de 2011

Desesperada Esperança

.
Como é difícil acreditar num infinito
No fim de um infinito sem sequer um começo
Que nem mesmo com a maior força que conheço
Serei ou serás tu capaz de um dia decifrar
Nas cartas de uma vida, sem segredos a desvendar,
O código da cura que da sua razão me esqueço;

Não é, de todo, um fim inesperado
Pois nada em que acredito simplesmente se resolve,
Nada se faz ou acontece sem o mal que envolve
Toda a corrente de um rio que corre quase morto
E do sol que nele se espelha lúgubre e absorto
Negar a ele mesmo que a descrença lá se dissolve;

Ás vezes questiono-me, para quê tanto esforço?
Por mais que seja uma causa mais que perdida
Mais não é que mais uma causa na nossa vida
Pela qual quase involuntariamente se luta
Talvez porque a voz do inconsciente se escuta
E não nos deixa nada mais que só essa saída

Uma saída para o sossego de uma alma
Um conforto por ser cumprido um próprio dever
Até quando esse fim chegar por nada se poder fazer,
É inevitável o choro e a dor pela incapacidade
Resta-nos somente afogar numa vil infelicidade
As certezas de um término – um triste perecer;

Promessa atrás de promessa e para quê?
Outra e não mais que simplesmente mais uma,
Espera-se, que por entre tantas, não se suma.
Se invocará alguma mudança, não serei, pois eu
Que desvendará as lacunas do misterioso céu
Que se esboça no mar e é apagado pela espuma;

Não desistas pobre ser que agora rezas
Pode ser, que ainda perdida, essa alma não esteja
E que “alguém” do bem a tua luta, como uma, a veja
E atenda à tua prece por uma súbita mudança
Que quanto mais se demora mais te rouba esperança
Acreditamos juntos, que mal, a ti ninguém deseja;

Mas acontece e há sempre um escolhido
Porquê eu, tu ou ele? Puro azar de um destino
Que não nos escreve as palavras de um hino
E nos deixou os restos de uma feia canção
Escrita na pressa de um tempo sem recordação
Pobre vida segura agora por um frágil fio fino.

Pe(r)dido

.
Recordo agora enquanto escrevo
Momentos que o esquecimento não me levou
Memórias que ainda exaltam tenra idade
Uma experiência que em mim muito mudou,
Não espero mais que continuar esperando
Cuidando dos caminhos por onde eu ando,
E ao sonhar os dias desse outro lado
Fico, de certa forma inútil, entusiasmado;

Imagino ainda só, o que lá me espera
Serei eu também capaz de o fazer?
Hierarquias esperam-se, ser respeitadas
Mas também aqui estou para obedecer,
Nada mais isto é, ou sou, que nada
Uma mísera palavra que por mim invocada
Espera fazer, bem lá no fundo, alguém
Sentir-se mais do que apenas… ninguém;

Também agora me aguarda uma tarefa
Mergulhado em hipóteses e só uma escolher
Não direi que me foi, talvez difícil
Pois de tantas, poucas mais poderiam ser,
Também não escolho com intenção de ajuda
Nem fico à espera que em momentos me acuda
Quero apenas que em boa hora me surpreenda
Assim como em má hora, me repreenda;

Por fim, não mais que esperança me resta
E embora os olhares aqui se me apontaram,
Onde outrora morara uma lívida duvida
Mora hoje o que as certezas enfeitiçaram,
Não sei se será ou não, o melhor para mim
Mas não quero mais que somente um sim
Espero então que a vida um dia me traga
Um episódio feliz nesta dolorosa saga.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Acidez Interior

.
É como instinto, tal e qual um animal
Que por mais que saiba que está a agir mal
Não muda, não pára, tornando-se um monstro
Isto é aquilo que sou é aquilo que demonstro;

Natureza selvagem que me absorve,
E que não consigo evitar que me estorve;

Herança? Meio envolvente? Qual será sua origem
Que mesmo do pico da desgraça, não sente vertigem
Uma revolta escondida por detrás do cordeiro
Que em lobo se torna em prol do maligno feiticeiro

Oh mal que me corres as finas veias
E sugas-me o bem que tanto me anseias;

Como difícil é ser-se assim, sentindo a raiva dentro de mim
Como poderei eu pôr, neste bicho que me da dor, um fim
Sentimentos incontrolavéis e tristemente materializados
São somente maléficos, inutéis, infelizmente realizados;

Só um fim me salvará deste desvio,
Um caminho mal seguido, uma vela sem pavio.

Natureza Justa

.
Jaz agora o corpo á mercê do tempo
Despejado entre o silvado que o rodeia
O que outrora fora um homem jubiloso
Agora não passa de um saco de carne feia
Com um ar endurecido, macabro e assombroso;

O que foi o topo da cadeia, agora é o fundo
Servindo de banquete a necrófagos famintos,
De que te valeu a fortuna e toda a grandeza
Todo esse teu medo, todos esses labirintos
Para agora apodreceres como toda a natureza?

Pois é, deixou-te ficar mal o teu coração
Não esperavas tão estranho meio envolvente
Em que irias finalmente conhecer o teu fim
Não pensavas tu nisso quando essa gula demente
Te deixava a vontade de saciar num fernezim;

Imóvel, frio, inchado, podre e nauseabundo
Quem diria que o ser que todo se mexia
Era o mesmo que agora jazia entre o mato
E que se consumia de uma putrefacção esguia
Já poupado por um tempo deveras sensato;

Pobre homem que da terra te fizeste grande
Também ela merece o que toda a vida lhe roubaste
Mais justa morte não poderias tu vir um dia a ter
Que devolver á natureza o que para te fazer lhe tiraste
Uma justa e simples troca não qual tu tiveste de morrer.

Confesso

.
Um sorriso, não basta
E um olhar talvez não chegue
Sei que nada disto é tudo, separado
Nada disto é mais que… fragmentado;

Não é por dizer que amo que amarei
Não é por dizer que te quero que farei por isso
Ou por dizer que espero um compromisso
Que lutarei,
Sei disso, sei e dói-me saber
Por assim não ser e medo eu ter
De afundar-me na própria diferença
No próprio desprezo e desavença;

Sabes quem sou, infelizmente
Ou mesmo acreditando que sabes já te dói
Por te apaixonares pelo ser que a alma te mói
Sou eu, sou assim, não sei se escolho ou não evito
Sinto-me estranho, estranhamente esquisito
Mas sei o que sinto, sei que sinto e sinto-o;

São tantas as palavras que te digo
E em quais acreditar? Parece até castigo
Por não conseguir adivinhar. Basta confiar,
Ou não, talvez baste apenas conhecer-me e acreditar.
Amar-te e amar é um tanto que não defino
São palavras que se aguardam em cada destino
Talvez não saiba o que é amar, por ser assim
Mas amo, porque olho o pôr do sol
E não vejo nele um fim…

Perfume

.
Saio á rua nesta manhã fria de fevereiro
Sinto a fresca brisa debater-se sem cheiro
Que estranha sensação, vazia e em vão
Não me traz nada de novo senão… acréscimo
Um a-mais sem rodeios e sem riqueza
Que me arrefece o corpo num arrepio de frieza;

Pairando nas pesadas camadas de ar
Fluem guticulas aromáticas de um perfumar
Mais doce que a própria alegria de o sentir
O mais suave que na suavidade cabe
Mesmo desconhecendo a nascente de tal aroma
Sei-lhe a pureza que por inteiro me toma;

Flutuam-me os sentidos e pensamenos agora
Enquanto me é inoculado o que a paz chora
Mas deixo-me levar na onda deste perfume
E pelo lume que me queima a lívida certeza
De uma ligação profunda e desesperada
Ao fio ténue de uma alma desligada;

As peças conjugam-se a cada passo e suspiro
As duvidas saceiam á medida que o respiro
Não suspeito mais desta agonia que se me cria
Sei agora o que me fora roubado pela sedução
Sem fé ou debução afirmo sem arrependimento
Este perfume não é mais que um sentimento…

Inverno d'Alma

.
Frio ríspido de inverno
Palavras que se escrevem num vulgar caderno
Palavras reflectidas por uma natureza
Que desconhece a sua própria dureza;

Chegados os meses fatais
Caem sobre a terra gelada restos mortais
O que outrora fora o verde luminoso
Em tempos de um sol ainda bondoso;

São agora sinais de uma vida
Que ao sabor do vento sentem a caída
Um único momento de voo verdadeiro
Segundos puros em dias de Janeiro;

O gelo cobre cada cor
Inibe qualquer flor de sentir o calor
Do sol que nasce por detrás da montanha
Nas madrugadas que a luz arranha;

Nada mais isto é
Que uma mera alma sem fé
Uma carne fria despojada de sentir
Arrefecendo no repouso do seu sucumbir;

Um puro inverno interior
De um ser que gela sem amor
Coitado, vive sem sequer saber que o faz
Ou não vive e acha que assim está em paz.

Papagaio

.
Voa o leve papagaio
Vergando ao vento que o domina
Preso no dedo da criança
Num movimento que a fascina
Assim passa tardes inteiras
Fugindo à dor e ás rasteiras
Vergando ao vento que o domina
O papagaio que a fascina

Movimentos de esperança
Ondulatórias vibrações
Torce o espírito da criança
Inunda-a de emoções
Não mais, ela, espera ver
Tamanha paz aparecer
Nas noites que lhe apagam
Lembranças que amargam

Voa o frágil papagaio
Nos céus inalcansáveis
Voa, coitado, perdidamente
Voa ao sabor de ventos instáveis
De fraca matéria é feito
Corrompido pelo preconceito
Destrói as vértebras aos poucos
Este sentimento que é de loucos

Oh triste, porque não voas
Nem mais és que a felicidade
E no integro de uma alma
Morres tu de ingenuidade
Pairas assim sem saber porquê
Num céu que nem se vê
Flutuando na inócua eternidade
De uma juvilosa novidade.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Eu

.
Escrevo porque escrevo simplesmente
E faço-o como se vazio estivesse
Não sinto… não sonho as palavras
Saem ocas meramente
Saem como pedras de um rio
Molhadas, secadas somente pelo frio da gaveta
Ou pelo vento da sarjeta
Que soprado pelo desprezo de quem as lê
Depositam-se na lama que é a cama
De um escritor que não sente a chama
Não sente sequer o arder na alma
Dos versos construídamente sentidos,
(Sem sentimentos fingidos)
Mas sou obrigado porque não sei ser outro alguém
Outro alguém que escreve realmente o que sente;

Ai quem me dera ser poeta
Poetizar verdadeiramente e saber escrever
Quem me dera olhar as estrelas e poder ver
A aurora do lírico que me falta,
Poder apreciar o sumo da noite
Ou o calor do dia e daí tirar poesia…
Ai como me dói ser incapaz,
Mas não posso pedir mais que paz,
Paz comigo mesmo e com o nada que sou
Paz com o presente e com o passado que para trás ficou

(Oh senhores, verdadeiros literários
Como sóis vários e variados, serei eu também um?)

Gigantes das letras e da melodia das palavras
Procuro em vós uma razão para existir
Esta alma que em mim se faz emergir
Este pedaço de mim que não compreendo
Porquê em mim, porquê eu?
Nada disto caiu do céu, mas porque se escondia?
O que fez libertar este ser que escrevia
Nas paredes do meu coração nessa sua eterna solidão?

E agora,
Lêem isto e eu não percebo
Não entendo e me revolto
Prendo-me sem querer e não me solto,
Como de um momento para o outro mudei?
Como é que existia em mim e nunca por ele eu dei?
Questões que me encharcam de ignorância
Por na infância estar adormecido… ou talvez não,
Talvez nada disto tenha sido em vão
Talvez a tenha usado como um refúgio de ideias
De vivências e de experiências
Que moldaram o meu frágil barro
Com as suas mãos ásperas de dor
Frias – sem qualquer calor – e gretadas pelo mal.
Mas assim fui crescendo, fui sofrendo,
Beijado pelos dias que passavam indiferentes
Contados pelas horas de felicidade ausentes
Amargurados pelas chagas dos meus presentes!

E as vergonhas e os choros, tristezas e desilusões
Nada disto se me passou desconhecido
Nada disto merece comparação,
Apesar do próprio mundo ser uma completa comparação
Pois não teríamos noção se tudo fosse igual
Ou se um só exemplo conhecêssemos, é preciso comparar
E fazêmo-lo sem nos apercebermos
É instintivo, é o que destrói ou constrói
O ego de um ser qualquer… mas dói
Dói quando não pertencemos ao lado bom;
Quando somos o ruído de um som…

Como eu sofro e sofri por tudo o que vi e senti
Sinto e não desminto que muitas vezes fugi
Á dura realidade que me persegue
E á qual estarei sempre entregue.

Dores e mágoas que tento descrever
Nas palavras que agora estou a escrever
Sinto que não consigo, sozinho comigo,
Mergulhado na solidão que me educou
E fez de mim um alguém que não sou
Ou sou mesmo e não quero acreditar na realidade
E na infelicidade que é a podridão de uma alma,
Uma alma sem emoção que não aceita ajuda
Que por mais que seja dura, grita,
Grita invocando dos céus aquilo em que acredita
Luta contra os demónios que me atormentam o sono
E escuta a melodia do meu próprio abandono,
O despejo e o repúdio que sinto por mim,
A vontade de que tudo isto chegue ao fim
E eu seja livre, talvez já não em vida
Mas finalmente livre, realmente livre,
Do peso da maldade que me persegue e corrói
E a minha existência me mói
Que desfigura uma felicidade em mentira
E a alegria de ser verdadeiro me tira…

Como me cansa escrever,
É como se uma laranja fosse e me tivessem a espremer
E ficasse seca, sem mais nada para dar
Sem retorno ou voltar
Esgotado é como me sinto…

Escrevo porque escrevo e não sei porque o faço
Sou só um horizonte olhado por um vidro baço
Sou uma paisagem desértica
Sou como uma ave frenética à procura de espaço
Numa sociedade vulgar e desentendida.
Sou a árvore sem tronco,
Sou uma flor sem vida!

Oh meu Deus, perdoa-me por ser quem sou
Um ser a quem a alma o diabo levou
E agora? Que faço eu com este monte de carne
Mero invólucro sem valor… sem amor,
Pois tudo o que me fazia pouco, agora me vale de nada
Me vale tanto como na escuridão, uma vela apagada.
Assim sou eu… um vulto ofusco na noite
Uma sombra, pela luz do sol, morta
Uma escuridão que nem a lua conforta
Uma rua sem saída, uma casa destruída,
O escombro do desassossego…

Mas porquê falar de mim?
De assim falar estou eu cansado
Cansado de todo este enfado desnorteado
Desorientado como as minhas palavras,
Que por mais macabras que possam ser para mim mesmo,
Não me denunciam, pois em tudo que escrevo e escreverei
Irei mentir, e nunca mostrarei quem sou,
Talvez os códigos do que escrevo confessem
Os pecados, que o meu pano tecem,
Porque nem sempre me obedecem.

E o sonho, ai o sonho onde ele vai,
Será preciso morrer para reconhecido se ser?
Não sei, apenas experiências e vivências
Que os meus olhos captam involuntariamente
E que fingem temporariamente não existirem.
Oh, por mais que a vontade me tirem,
De me querer adivinhar num leque de bons
E me escureçam os tons do céu
Saberei sempre que ele é azul
Acreditarei sempre que um dia será meu...

Poeta

.
Ai, o que é ser poeta, não me questionem
Conjugo apenas palavras que, espero, funcionem
Quem sou eu para dizer que o sou
Um ninguém que por escrever, não mudou;

Um ninguém que sempre fui e continuo a ser,
Bocado de nada que não sabe o que é escrever
Espero eu não envergonhar quem me é mais alto
Este dom aos céus eu peço e também exalto;

Tão tenro e verde é este vazio, que sou eu
Preciso de subir aos ombros de quem vê o sol
De quem da terra já partiu e tocou no céu,

Falta-me deixar de ser o pequeno rebento
Da planta que nem da terra ainda brotou
Da planta que fazer crescer eu bem tento.

Lavadeira

.
Tu mulher, pobre lavadeira
Que lavas nessa água essa roupa
Suja pelas crias na brincadeira
Suja pelo homem que não poupa
E se destrói na bebedeira!

Sinto agora como é dura
E difícil essa tua vida
Parece que o bem não te procura
Ou até que dele andas fugida,
Pobre mulher, como és pura!

E esse esforço que parece em vão
Essa roupa que estás a lavar
Se romperá outra vez no chão
E voltar-se-á novamente a sujar
Sem ter por ti qualquer gratidão!

Sentes-te uma mulher sem valor
Que acarreta uma família
Sem qualquer carinho ou amor;
Como se fosses uma Tília
Na primavera sem flor!

E as marcas vão aparecendo
No teu rosto envelhecido
Marcas que vêm sendo
De um parceiro mal escolhido.
(A minha mão a ti te estendo!)

Sentado estou a olhar-te
E contigo irei permanecer
Ver as lágrimas molhar-te
E na tua cara correr
Raios de luz a enxugar-te!

Sabes que assim irás morrer
Sendo uma mísera lavadeira;
E eu mais não posso fazer
Do que estar á tua beira
Ver-te somente… sofrer!

Deus

.
Oh Deus o que és realmente
Um como eu na terra
Ou mesmo a imagem pertinente
Que não consigo perceber por mais que tente?
Não sei se és o mesmo para todos nós
Ou se um diferente em cada coração
Não percebo, desisto e em vão
Por mais que me doa a razão
Tenho que acreditar no que és para mim
Na maneira como te vejo
Uma presença que me provoca um fernesim
Um conforto, um aconchego, um desejo!

Oh Deus que não és mais que eu próprio
És o outro nome da confiança
És em nós a nossa esperança,
A lenda inventada por um alguém
Para nos fazer acreditar que existe luz
Quando mergulhados estamos na escuridão
E que por mais pesada que seja a cruz
Não faremos cama o nosso chão.
E rezamos, oramos à tua ajuda
Invocamos esse poder que nos muda
E nos torna fortes porque acreditamos
Que não nos deixarás sós.
O que é Deus afinal?
No fundo, somos todos nós!

Fiéis

.
Tocam-se os sinos da solitária igreja
Chamando os crentes pela sua fé
E mesmo tendo que vir de longe a pé
Vêm até por mais chuva que esteja,
Louvar a sua crença!

Fazem-no já quase por obrigação
Como que para o céu pensassem ir
E da sujidade da vida em paz fugir
Almas que não sabem para onde vão,
Nem no fundo, onde estão!

Criaturas enganadas pela falsa imagem
Dessa grandiosa e vil obra obscura
Que por detrás de uma suposta cura
Vive o mal de uma longa chantagem,
Desapercebidamente aceite!

E a difamação a injúria e o sarcasmo
Apoderam o olhar do crente silencioso
Afogado no próprio íntimo rancoroso
Para qual o mal é mero entusiasmo,
Passatempo e orgulho!

Á saída, no final d’aclamada eucaristia,
Depois de lavados os pecados semanais
E bem apreciadas as vestes dos demais
Á cova do pejúrio e da reles alma fria,
Voltam os fiéis!

Banal

.
O que é para mim
Um natal assim?
É uma festa sem começo
Sem meio nem fim
Uma alegria sem sentido
E um coração partido
Por não ter hoje mais
Os seus dois pais;

A alegria dos presentes
A tristeza dos ausentes
Por não poderem estar
Com os seus parentes,
Passa assim um natal
Como nunca houve igual;
(Uma família desligada,
Uma fogueira apagada)

Como tudo é em vão
Quando é feito sem coração
Como tudo é banal
Quando se faz sem emoção
Os bolos sobre a mesa
Recheados de tristeza
É mesmo realidade
Esta difícil saudade;

Oh que triste data
Por estes dias pacata
Acordas-me este ódio
Que por dentro me mata,
É apenas mais um dia
Sem um fio de alegria
Já não é mais o que era
O sentido que eu lhe dera;

Talvez um dia seja
O que o meu ser deseja
E que toda a família
Á volta da mesa esteja
Reunidos e em paz
Como há uns anos atrás
Voltando tudo a ser
Como estou a escrever;

Oh natal que partiste
Minh’alma agora insiste
Que voltes á casa
De quem tu desististe
Bate em meu coração
Que eu dar-te-ei a mão
Devolve a alvorada
Aos dias de consoada!